Valdemar Kroker entrevistado por Paulo Sérgio Gomes

As palavras correm-lhe nas veias, as letras são o ar que respira. Os livros fazem parte do seu dia-a-dia, em família, no ministério, na profissão.


Conhecer Valdemar Kroker foi como encontrar um tesouro. A riqueza do seu conhecimento percebe-se que vem dos livros e do estudo da Palavra, mas partilha essa sabedoria com a humildade própria de quem tem um coração cheio de graça. Brasileiro, de ascendência germânica, vive em Curitiba, e é casado com Simone. Tem 3 filhos, Daniel, Rebeca e Priscila, e o neto com o nome mais bonito do mundo – Joshua Daniel [opinião do editor da revista]. É pastor da Igreja Menonita, tradutor de referência, conferencista e editor da Editora Vida Nova, e acedeu responder a um breve questionário que se transformou numa bela peça editorial, que a Biblion aqui transcreve.

BIBLION: Sendo leitor, mas também editor, escritor e tradutor, o que significam os livros na sua vida pessoal e de ministério?
VALDEMAR KROKER: Ouço a leitura de livros desde o berço; mamãe lia as histórias bíblicas de um livro com quadros pintados por pintores clássicos; papai lia um trecho da Bíblia acompanhado de um livro devocional todos os dias antes do café da manhã.
Lembro, também, que na minha infância eu queria muito entender aquela escrita (alemã) estranha da Bíblia dos meus pais e da primeira Bíblia que ganhei (herança do meu avô pastor) — a escrita gótica — e peguei a cartilha alemã (Die bunte Fibel) edesvendei os “códigos”. A partir daí, consegui ler perfeitamente aquela Bíblia e, mais tarde, comentários bíblicos antigos.
Um dos maiores benefícios dos livros na minha vida foi a possibilidade de fazer verdadeiras viagens de descanso e renovação de forças por mundos que, na maioria dos casos, nunca terei oportunidade de visitar. Quem não se encanta com obras como O Guarani, de José de Alencar? Como não ser arrebatado a uma profunda reflexão até teológica sobre a condição humana com As intermitências da morte, ou Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago? Exodus, de Leon Uris, que experiência espetacular! Ou, então, The source (A fonte de Israel), de James Michener. Infelizmente, não consegui gastar tempo suficiente na minha vida até aqui lendo esse tipo de literatura. A vida exige também outras leituras. Precisei ler muitos comentários bíblicos, manuais de teologia, eclesiologia, alguma filosofia e de outros temas. Lembro que, quando jovem, um livro de oração me impactou fortemente. Creio que o título era Jesus, ensina-nos a orar, de Hope Macdonald.
Entre as leituras preferidas minhas hoje está o material de apoio no preparo de pregações. Eu não poderia preparar mensagens sem os bons comentários. Há duas semanas preguei duas vezes (o mesmo sermão, para públicos diferentes) a história bíblica de Rute, e me encantei com os comentários disponíveis, especialmente os de Daniel Block e Robert L. Hubbard, Jr.
O grande privilégio que tenho atualmente é que meu sustento vem da leitura de ótimos livros, ou melhor, do trabalho com o texto na edição de livros na Editora em que trabalho, Edições Vida Nova. É evidente que isso não é lazer, mas, em grande parte do processo, é um trabalho profundamente prazeroso.

B: Já é avô, e seguramente a leitura acompanhou o crescimento dos seus três filhos. Até que ponto considera o hábito de ler importante no desenvolvimento das crianças e dos jovens?
VK: Posso dizer da nossa experiência em família que o hábito da leitura proporcionou uma boa formação linguística dos filhos — os três falam e escrevem muito bem o português, tiveram facilidade para aprender o inglês e, em parte, o alemão. Foi interessante acompanhar a empolgação das duas filhas na leitura da Série Cris, que Rebeca e Priscila devoraram (algumas vezes). Integridade, a coragem de enfrentar as demandas da realidade (Henry Cloud), que a Rebeca leu, tornou-se ótimo tema de conversa entre nós. Ver o filho Daniel sendo formado por reflexões profundas com Os irmãos Karamazov, de Dostoiévski,
também foi interessante. Lembrar a Priscila olhando a minha estante e fazendo a lista do que gostaria de ler nos meses seguintes não tem preço. E foi incrível viver as mesmas emoções – lemos na mesma semana – O código da Vinci, de Dan Brown, quando este estava na crista da onda.

B: Muitos dos nossos leitores, embora gostem de ler, ainda não adquiriram uma rotina regular de leitura. Como podem tornar o livro o seu companheiro de jornada diária?
VK: Em geral, é difícil estimular à leitura, por meio de um texto escrito, pessoas que não têm rotina regular de leitura. Será que vão ler o meu texto? Mas se estão aqui, é porque algum interesse têm. Creio que uma sugestão útil para a maioria das pessoas é começar com um bom romance. Por exemplo, duvido que alguém que lê as primeiras dez páginas de O testamento, de John Grisham, não vá querer ir até o fim sem interrupções, se possível. Talvez não seja caso de começar por um poema épico como Paraíso perdido, de John Milton, por melhor que este seja.
Mas há também uma recomendação indireta para esse tipo de leitor: alguém precisa lhe dar um bom livro de presente; alguém precisa citar boas histórias ou ótimas formulações de verdades encontradas em livros que leu; alguém precisa convidá-lo para um fim de semana especial de discussão de livros e relatos de transformação por meio da leitura.

Por exemplo, quem ganhar de presente um dos livros de Tim Keller, vai querer ler todos os outros. Se a pessoa é casada ou vai casar logo, precisa ganhar de presente O significado do casamento. O problema para quem deu o livro é que depois a pessoa que ganhou vai esperar mais presentes, como A fé na era do ceticismo, Conhecendo a Deus em meio à dor e ao sofrimentoMinistérios de misericórdia, Oração: experimentando intimidade com Deus (o último dele) e tantos outros do Keller já disponíveis em português.

B: Atualmente, os meios digitais estão a conquistar a adesão do público. Acredita que o livro físico resistirá à concorrência dos ebooks?
VK: Ninguém melhor para me ajudar a responder a essa pergunta do que o gerente de Marketing (Vida Nova), Sérgio Moura. Segundo ele, “essa já é uma questão ultrapassada”. E completa: “Já ficou claro que o digital não vai substituir o papel e que haverá espaço para os dois […] as pesquisas mostram que o impresso continua em alta e o digital caindo […] Logo, o impresso já resistiu”.O mercado português de literatura cristã é exíguo quando comparado com o brasileiro, que bem conhece.

B: Pela sua experiência, como podemos alargar o espectro literário, tanto em editores e livrarias, mas principalmente em número de escritores cristãos portugueses?
VK: Já há muito tempo tenho um sonho e talvez possamos concretizá-lo antes em Portugal do que no Brasil. Sonho com um encontro de vários dias, de preferência em um feriado prolongado, ou, melhor ainda, de uma semana inteira, em que haja tempo e oportunidades para três atividades:
– a apresentação do conteúdo de livros de autores renomados e consagrados por parte de leitores que fizeram uma leitura atenta dessas obras e realcem seus conteúdos principais e sua importância para o mundo atual;
– a apresentação de autores novos, com espaço para darem uma amostra do seu trabalho
– a leitura em que todos os participantes se dediquem à leitura de uma obra (ou ao menos um trecho significativo) e tenham depois oportunidade, em pequenos grupos, para partilhar com outros suas descobertas, percepções e opiniões sobre o que leram.
Eu gostaria de ver a concretização de mais um projeto: dar seminários de fim de semana em igrejas – talvez reunindo várias igrejas das mais diversas regiões (tanto em Portugal quanto no Brasil) – que estimulem as pessoas à leitura da Bíblia.
Atualmente, estão sendo publicados muitos livros que realçam o valor da Bíblia como uma história completa que precisa, antes de tudo o mais (e principalmente antes da dissecação exegética), ser compreendida e apreciada como um todo. Essas obras têm aparecido tanto em forma romanceada (O livro de Deus [Walter Wangerin, Mundo Cristão]) quanto em tentativas de síntese do propósito de Deus na história e dos seus meios de atingi-los, como retratados na Bíblia. Exemplos disso são: A missão de Deus (Christopher Wright) e A igreja missional na Bíblia (Michael Goheen). Outro que está sendo preparado é According to plan: the unfolding revelation of God in the Bible (Graeme Goldsworthy).
A leitura da Bíblia toda é de extrema relevância para a igreja de hoje, e há excelentes roteiros para esse fim, como o livro-guia dos conhecidos Gordon Fee e Douglas Stuart: Como ler a Bíblia livro por livro (Vida Nova).

B: A Editora Vida Nova, que teve a sua origem em Portugal, é uma referência na edição de literatura cristã, em língua portuguesa. Quando vivemos tempos incertos, em que se vai basear a futura estratégia editorial, nomeadamente para o mercado em Portugal?
VK: Esta é uma pergunta que deve ser discutida na reunião da diretoria da Editora, e também em reuniões do diretor executivo, pr. Ken Davis, com os gerentes de departamentos. Só depois teremos respostas mais precisas.
Da minha parte, as minhas quatro idas seguidas (sempre em agosto de 2013-2016) para a conferência bíblica da Convenção Baptista de Portugal em Água de Madeiros têm servido para conhecer melhor as necessidades dos nossos irmãos e também do povo em geral em Portugal e para estreitar laços com nossa grande parceira na terrinha, a Livraria Baptista em Lisboa. Creio que também a nova parceria, agora, com a Biblion servirá muitíssimo bem para a melhor divulgação do nosso material aí.

B: Pelo seu trabalho, os livros fazem parte da sua vida, e alguns tê-lo-ão marcado certamente. Quais e de que forma?
VK: Já citei diversos ao longo desta “conversa”. Seria impossível esperar até esta última pergunta para fazê-lo. Mas aqui vão mais alguns que me marcaram muito. Sei que serei injusto com diversos outros, mas é o risco que se corre.
Bíblia Vida Nova — Bíblia de estudo: editada no Brasil pelo fundador de Edições Vida Nova, o pr. dr. Russell Shedd, tão bem conhecido também em terras lusitanas. Era a única Bíblia de estudo em português disponível na década de 1970.
O plano mestre de evangelismo, de Robert Coleman (Mundo Cristão). Comprei-o ainda no Seminário e, como é o caso de muitos livros comprados nessa época, foi para a estante. Só saiu dali alguns anos depois porque, durante uma chuva forte, entrou água por uma infiltração e molhou vários dos meus livros. Dessa vez, depois de deixá-lo secar, não o devolvi à estante. Foi tremenda a transformação prática do meu ministério pastoral como decorrência da leitura e do estudo desse livro.
Como ler a Bíblia livro por livro: um guia panorâmico da Bíblia. Já mencionei antes e reforço aqui: o povo de Deus precisa ler a Palavra toda, e não apenas em pequenos trechos que façam a leitura da Bíblia toda demorar cinquenta anos. O estudo exegético e devocional tem também seu grande valor, mas depois de se conhecer a história por inteiro. Destaco aqui especialmente a seção no Como ler a Bíblia livro por livro relativa a Apocalipse. Imagine só, o leitor, que com uma ajuda de apenas treze páginas de orientações e resumo é perfeitamente possível entender a mensagem básica do último livro da Bíblia. Não é fantástico?!