AS CARTAS DA PRISÃO DE NELSON MANDELA

Tal como se questiona a neta de Nelson Mandela,
Zamaswazi, “como pôde ele sobreviver a vinte e
sete anos na prisão?” Sem dúvida que através da
leitura desta coleção das suas cartas, escritas enquanto
prisioneiro, podemos entender melhor o que o motivou a
prosseguir. Durante esse tempo, Mandela fazia questão de
guardar uma cópia de cada carta, em cadernos, deixando-nos
assim um raro acervo, agora disponível nesta edição.

A leitura destas cartas conduz, aqui e ali, o leitor pela tenebrosa ilha-prisão de Robben Island, onde não existiam presos de raça branca, a ração alimentar era muito pobre e limitada, as condições climatéricas extremas. O sistema de trabalhos forçados era brutal, e a coação a que os presos políticos estavam sujeitos de uma enorme crueldade.
Depois de inicialmente sentenciado a 5 anos de prisão por sair do país sem passaporte e por incitamento à greve, Nelson Mandela foi acusado de sabotagem contra o regime Sul-Africano e condenado a prisão perpétua. Juntamente com seis outros camaradas condenados foi enviado para a famosa prisão de alta segurança de Robben Island, situada ao largo da costa, perto da Cidade do Cabo.
Como presos políticos foram catalogados com o nível “D”, a mais baixa classificação com o mínimo de privilégios no sistema prisional. A cada seis meses, apenas lhes era permitida uma visita e apenas podiam escrever e receber uma carta. Toda a correspondência era verificada, no Censor’s Office de Robben Island (o Centro de Censura), não podendo ser descritas as condições do cárcere nem se fazer referências a outros reclusos, e por muito tempo apenas se permitiu a troca de missivas com familiares de primeiro grau.
Mandela aproveitava cada carta que enviava à mulher, Winnie, com palavras de estimulo para enfrentar os longos anos que teria de afastamento, cuidando da educação e  sobrevivência dos cinco filhos. Numa dessas ocasiões, recomendou-lhe a leitura de dois livros do psicólogo americano Norman Vincent Peale – The Power of Positive Thinking e The Results of Positive Thinking. Apesar de não partilhar os aspetos metafísicos dos seus argumentos, considerou valiosa a sua visão sobre problemas físicos e psicológicos, o que poderia ajudar Winnie a superar a sua débil condição de saúde.
A falta de humanidade das autoridades para com Mandela ficou bem patente quando, em Julho de 1969, o seu filho mais velho morreu num acidente de viação. As cartas à sua ex-mulher, mãe de Thembi, bem como ao comandante da prisão, expressam bem a dor que viveu ao ser-lhe negada a possibilidade de assistir à cerimónia fúnebre e poder despedir-se do filho pela última vez. Anos mais tarde, numa longa carta dirigida à mais alta  personalidade do sistema prisional sul-africano, descrevia os continuados abusos de autoridade, as deploráveis condições em que se encontravam os presos e a discriminação.
A sua formação metodista evidenciou-se enquanto Winnie era julgada com outros  ativistas. Mandela escreveu-lhe uma carta de encorajamento onde reportava a história de um inspirador livro que tinha lido anos antes – Shadows of Nazareth, de C.J. Langenhoven. Nele, o autor descreve o julgamento de Jesus através duma carta do próprio Pôncio Pilatos para um amigo em Roma.
Aqui, também ficamos a conhecer alguns pormenores peculiares da vida de Mandela. Em 1975, por sugestão de Walter Sisulu e Ahmed Kathrada, Madiba começou a preparar secretamente a sua autobiografia. Ele escrevia pequenos excertos durante a noite, os quais posteriormente eram transcritos por dois colegas, que minuciosamente reduziram o conteúdo, de seis centenas para sessenta páginas. Esse material era enterrado na prisão até que um dos presos fosse libertado e finalmente pudesse levar os manuscritos para fora do país. No entanto, acabaram sendo descobertos, e os privilégios académicos foram suspensos por quatro anos. Embora uma boa parte dos textos tenha chegado a  Londres, a publicação de Long Walk to Freedom só aconteceu em 1994, já depois da libertação de Mandela.
Em Dezembro de 1988, já depois de ser hospitalizado devido a tuberculose, foi transferido para a Prisão Victor Verster, sendo alojado numa antiga residência de guardas prisionais, com modernas comodidades. Por essa altura, concluiu ainda o seu curso de Direito, quarenta e cinco anos depois de o haver iniciado, na Universidade de Witwaterstand.
No Discurso da Nação, proferido no início de Fevereiro de 1990 pelo presidente De Klerk, foi finalmente anunciada a libertação de Nelson Mandela. Libertado pelas quatro e meia da tarde, de dia 11 de Fevereiro, escreveu a sua última carta nessa mesma manhã.

Sahm Venter – LIVERIGHT


POR PAULO SÉRGIO GOMES