O PRÍNCIPE DO PARADOXO
é vulgar dizer-se que Cristo viveu antes do Cristianismo (…). O início onde Ele se movimentou, não foi no seio da Cristandade, mas no antigo império pagão.
G. K. CHESTERTON
ABCs of the Christian Life – The Ultimate Anthology of the Prince of Paradox, publicado nos Estados Unidos pela Ave Maria Press, é uma antologia sobre um autor incomparável, cujo estilo desconcertante, e ao mesmo tempo tão apaixonante, cativa leitores curiosos por livros que desafiam o seu conforto racional.
LOGO NA INTRODUÇÃO, Peter Kreeft avança três pessoas que, pelas suas personalidades e intelecto, são absolutamente únicas e distintivas: Jesus Cristo, Sócrates e G.K. Chesterton. Uma afirmação elucidativa, no que respeita a Chesterton, mas aquilo que para o comum leitor pode soar a desaforo paradoxal não passa da verdade, nua e crua, e o que nos parece inquestionável é de facto um paradoxo. Isto é o verdadeiro paradoxo.
Neste caso, foram selecionados 26 textos de Chesterton, um por cada letra do alfabeto, o que tanto para apreciadores do autor, como para novatos do estilo, trata-se de um livro a considerar. A compilação, ainda não disponível em Português, merece uma tradução, pois permitiria a desconhecedores da obra de Chesterton experimentarem a sua leitura em variados contextos de uma forma acessível.
As suas interpretações de temas correntes, históricos ou quotidianos, são frontais e promovem reflexão: do nascimento de Jesus e os contrastes entre aqueles que o seguem e os que não acreditam nos seus feitos, a influências sobre a humanização da Cristandade, quando paradoxalmente se tomam decisões controversas a respeito da crença. “Omnipotente ou impotente, ou divindade ou infantilidade, são um tipo de epigrama que um milhão de repetições não torna numa trivialidade”, justifica.
A sua abordagem à religião é sistemática, especialmente ao Catolicismo. Apesar de controverso, o que ele prefere a ser simpático, fundamenta a sua ideia de que o Império Romano e a Igreja Católica Romana partilhavam uma única “nacionalidade”. Tal acontecia por se tratar de uma só língua e “nação”, não se permitindo fazer idêntica comparação noutros contextos linguísticos ou países. Considera mesmo que qualquer tentativa de a impor como Religião Universal está condenada ao fracasso.
O princípio da vida em todas as variações
do Protestantismo, não sendo um princípio
de morte, consiste no que restou neles de
Cristandade Católica. (…) Sei que isto soará a
uma afirmação para ser contrariada; mas é a
verdade.Protestantes são Católicos que se enganaram;
é o que realmente significa dizer que
são cristãos.(…) um Calvinista, é um Católico obcecado
com a ideia Católica da soberania de Deus.
Voltar à humanidade, é um passo atrás rumo
ao Catolicismo.(…) um Quaker é um Católico obcecado com
a ideia Católica da gentil simplicidade e a verdade.
Todos os passos em direção ao senso
comum são-no fac e ao Catolicismo.Tornar-se Católico não é deixar de pensar,
mas aprender a pensar.Paganismo era a maior coisa do mundo e o
Cristianismo era maior ainda; e tudo o resto
era comparativamente pequeno.G. K. CHESTERTON
Em vários capítulos do livro, elucidativos da sua (in)pertinência, Chesterton dedica atenção particular a São Francisco de Assis e defende um ponto de vista em que enaltece as suas similaridades com Jesus Cristo, argumentando “se São Francisco era como Cristo, Cristo seria na mesma (forma) como São Francisco. Quero dizer isto; se os homens encontram certos enigmas e sólidos ditados na história da Galileia, e se encontram respostas a esses enigmas na história de Assis, isso realmente demonstra que um segredo foi passando pela tradição de uma religião e não outra. Demonstra que a urna fechada na Palestina, pode ser aberta na Umbria; pois a Igreja é a guardiã das chaves.”
Sendo ainda mais elucidativo quando se refere a Jesus Cristo, salientando que “é vulgar dizer-se que Cristo viveu antes do Cristianismo (…). O início onde Ele se movimentou, não foi no seio da Cristandade, mas no antigo império pagão.”
Chesterton usa o seu peculiar contra-senso para nos apresentar o austero São Francisco numa perspetiva única, por vezes tomando a posição do cético, do ateu, para questionar práticas que a igreja (Católica) venera como exemplares, mas que o autor expõe com sentido crítico, deixando ao autor o seu juízo.
Coincidência ou não, uma boa parte dos textos selecionados para este livro mostram-nos a postura agreste, desafiadora mesmo, de Chesterton perante a religião, sobretudo o Cristianismo. Os dogmas absolutos da Igreja Católica Romana, a sua indiferença perante o que Protestantes aceitam, ou não, nos Católicos, afirmando «nada delicia mais os Católicos que a sugestão propagandeada desde sempre pelos Protestantes, que eles têm de ser libertos da superstição chamada “Mariolatria”.»
Fascinante, o capítulo dedicado à comparação religiosa, em que Chesterton, depois de sugerir que o Confucionismo é uma civilização, propõe que deva existir uma classificação alternativa para as diversas religiões. Sustenta G.K. Chesterton que se deviam dividir psicologicamente pois melhor se identificariam as experiências espirituais do que comparações inconsequentes.
E termina, fazendo de cicerone, numa visita muito pessoal a Jerusalém, usando os trajetos sinuosos, as ruas estreitas, para expor mais uma vez a sua perspetiva, tão sui generis, sobre a Cidade Santa. Faz o contra-ponto entre a visita guiada, a partir da Porta de Sião, e um centro nevrálgico da história, onde coexistem nações e religiões, a sua identidade, arquitetura, profecias. A Praça do Templo e a Mesquita de Omar, como faz questão de chamar explicando porquê, o Monte das Oliveiras,
a Igreja do Santo Sepulcro, todos são incluídos no passeio descrito por tão ilustre guia. Bon Voyage!
PAULO SÉRGIO GOMES