O segundo livro na famosa “trilogia” de Francis Schaeffer, A Morte
da Razão examina a busca histórica da verdade e do conhecimento
nas áreas da filosofia, teologia, artes e ciências. É uma obra curta mas
compacta, que permanece atual no séc. XXI desde que foi publicado
em 1968.
Começando com a visão filosófica de Tomás de Aquino, o célebre teólogo e apologista Francis A. Schaeffer percorre os séculos de desenvolvimentos na filosofia que levaram ao relativismo e a fuga do objetivismo dos nossos dias. Ele critica a distinção tomista entre graça e natureza, que separa as coisas celestes e espirituais (como a “alma”) das coisas terrenas e materiais (como o “corpo”). Schaeffer também culpabiliza a percepção tomista do intelecto humano autónomo – onde a razão encontra-se à parte da fé – por originar, ainda que de forma involuntária, uma teologia natural completamente independente de revelação divina, que depois iria evoluir para o humanismo (porém ele reconhece que Tomás de Aquino acreditava que a razão humana e revelação divina estavam sempre sujeitas a concordarem uma com a outra).
À medida que a teologia natural autónoma trazia um interesse renovado no Neoplatonismo durante o Renascimento, um novo movimento dentro do Cristianismo procurou unir de novo os campos da natureza e da graça: a Reforma Protestante. Schaeffer afirma que a teologia das Igrejas Reformadas, encabeçada pelas Institutas de Calvino, trouxe o conhecimento unificado que a teologia natural tanto procurava desde os tempos de Tomás de Aquino. Schaeffer explica como a teologia reformada foi bem sucedida na sua tarefa de providenciar conhecimento unificado (ainda que incompleto), uma vez que apresenta um Deus pessoal e infinito como o ser autónomo no lugar do homem finito, e que junta a graça e a natureza na realidade do homem – uma criatura feita na imagem de Deus mas corrompida pelo pecado da Queda – com Cristo sendo soberano sobre todos os homens, e por conseguinte, sobre a própria graça e natureza.
A partir daí Schaeffer continua a examinar a espiral descendente da teologia natural independente da revelação divina: a filosofia iluminista de Kant, Rousseau e outros esgotou o racionalismo, afirma o autor, com o Hegelianismo a ser o último suspiro da busca por conhecimento unificado.
O existencialismo de Kierkegaard, afogando-se no desespero e na perda de esperança num conhecimento exclusivamente racional que possa unir o verificável com o inverificável, desiste totalmente da racionalidade, relegando a verdade e o propósito à subjetividade do indivíduo.
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Na perspectiva de Schaeffer, tudo isto eventualmente resulta no homem moderno: um homem que não mais ambiciona ter um conhecimento unificado – ainda que incompleto – e cujo dilema já não é entre a graça e a natureza, mas sim entre o racional e o não-racional. Schaeffer conclui que existe hoje um enorme abismo filosófico entre a Igreja e o homem moderno e que a Igreja deve reconhecer exatamente isso de forma a melhor compreender o próprio homem moderno, ainda que ele alerte para os sinais da dualidade moderna que se estão a infiltrar na teologia unificada do corpo de Cristo.
Não se deixe enganar pelo tamanho do livro; A Morte da Razão não é nada menos que provocativo, e dá contas de ser uma daquelas que obras que, nas palavras de Sir Francis Bacon, devem ser “mastigadas e digeridas.”
Um tal estudo detalhado no desenvolvimento da epistemologia ocidental é para ser acarinhado por todo o leitor que queira obter um entendimento sólido das bases da filosofia moderna.
DANIEL GOMES