POR DANIEL GOMES
“Toda a guerra é baseada no logro.”
— SUN TZU, A ARTE DA GUERRA
O conflito faz parte da vida. Todos já o experimentámos de uma maneira ou outra, e todos já saímos a ganhar ou a perder com ele. Da disputa mais insignificante até à guerra mais devastadora, o ser humano está familiarizado com o conflito e sempre procura a forma mais vantajosa de lidar com ele. Enquanto que alguns estão confinados a códigos de conduta mesmo estando em conflito, outros crêem que na guerra, tal como no amor, não existem regras. Aqueles que ousam fazer qualquer coisa são normalmente bem sucedidos nas coisas que outros não se dignam a fazer, e os indivíduos mais brilhantes e vitoriosos da história costumam pertencer ao primeiro desses dois grupos.
Sun Tzu era um desses indivíduos. O perito chinês estudou e aperfeiçoou a guerra ao ponto de a tornar numa arte: ele identificou noções comuns e princípios sistemáticos vitais ao sucesso de qualquer empreendimento militar, e o seu tratado continua a ser um dos livros mais populares sobre o tema, vinte e cinco séculos depois de ter sido escrito. Apesar da sua ênfase militar, muitos dos conceitos da obra podem ser aplicados a qualquer tipo de conflito de interesses – discussões, batalhas legais, desporto e por aí fora.
Talvez o mais icónico dos princípios ditados por Sun Tzu seja o uso do logro na guerra. Para ele, o logro era uma ferramenta essencial no arsenal de qualquer general, uma vez que lhe permite subverter a perceção do inimigo – uma vantagem decisiva quando manipulada corretamente. Quando devidamente aplicado, este princípio impede um opositor de agir de acordo com os seus interesses: a incerteza pode tomar conta dele, ou ele pode ser levado a crer que age de forma apropriada quando de facto não o faz. Sun Tzu declarou que o uso de subterfúgio e dissimulação é inerente à guerra e pode efetivamente virar o rumo de batalhas e guerras. Até agora, a história provou que Sun Tzu tinha razão, pelo menos no que toca a conflitos de natureza terrena.
A guerra espiritual, porém, não admite o logro. Mais especificamente, a guerra espiritual cristã não pode fazer uso deste princípio em forma alguma, uma vez que o próprio logro é o inimigo. Satanás, o “Acusador”, é a personificação de orgulho desmedido, e domina todo o instrumento – especialmente o logro – para desviar a humanidade de agir de acordo com os seus interesses, isto é, de se unir com Deus em perfeita harmonia. O Diabo semeia divisão e destruição desde o início dos tempos, na esperança vã de vencer uma guerra condenada desde o princípio; ainda assim, ele continua a trabalhar diligentemente, se não para ganhar, então para causar o maior número de perdas que conseguir efetuar ao lado contrário. Para este fim ele tem levado muitos à perdição, a sua mentira tendo corrompido tudo o que deve ser sagrado e puro.
Por isso, o logro tem de estar abaixo do cristão. Ele não pode mentir quando jura fidelidade a um Deus omnisciente que preza a retidão e a justiça. Ele não pode enganar o Adversário astuto, ou acabará sendo enganado por ele. Ele apenas pode enganar-se a si próprio e aos outros; mas fazer isso seria desprezar os preceitos da fé cristã. Existem certas religiões neste mundo que permitem ao seus praticantes esconder e até rejeitar a fé diante dos seus opositores em certas situações, mas o cristão não pensa assim. Perjúrio e hipocrisia são armas do Diabo, não de Cristo; se Pedro sentiu vergonha depois de ter negado Jesus em público, não deviam todos os cristãos sentir o mesmo quando o fazem nos seus corações, quanto mais em público?
O logro é assim incompatível com a fé cristã – e no entanto cresce tanto em círculos cristãos como em seculares. No final de contas, o homem continua a ser um homem, o
que no Cristianismo se traduz numa criatura incrivelmente incongruente, uma pessoa feita na imagem de Deus mas corrompida pelo pecado. Dito isto, não é de admirar que a guerra espiritual do cristão nunca pára, uma vez que ela é tentada mesmo em alturas que parece estar mais segura. No entanto, esse é exatamente o propósito do logro de Satanás: atacar quando menos se espera, manipular os seus inimigos – que, de acordo com a Bíblia, inclui Deus e toda a Sua criação – e deixá-los vulneráveis.
A arte da guerra espiritual baseia-se não no logro, mas na verdade. O cristão fiel sabe que a verdade é a única forma de vencer o Adversário. Mas como disse Pilatos, “O que é a verdade?” Para o crente, a verdade é a Palavra de Deus. Ela contém a promessa de redenção e graça através das quais o homem é justificado pela fé. Ela revela o carácter de Deus e denuncia a rebelião de Satanás. Ela traz luz à vida imaculada de Cristo, que no entanto sofreu um castigo brutal para a salvação de muitos. Ao agarrar-se à verdade e ao proclamá-la – mesmo à custa da sua própria vida – o cristão cumpre o seu chamado e emerge vitorioso da batalha espiritual em que está constantemente envolvido. Ao confessar perante Deus e arrepender-se do seu pecado, o cristão nega a Satanás a oportunidade de o acusar.
Aí está o conceito fundamental da arte: a verdade e apenas a verdade derrota o Adversário, contraria os seus planos e desarma as suas armadilhas. É uma grande provação pôr este princípio em prática, e haverão alturas em que o crente simplesmente não conseguirá fazê-lo; nestas alturas, o crente deve-se lembrar que não está só, que Aquele que lhe trouxe a verdade o ajudará a defendê-la. Se ele se cingir à verdade, ele vai com certeza triunfar; ele terá posto o Diabo em cheque-mate na luta pela sua alma e ganho para si mesmo a coroa do vencedor – uma recompensa merecedora para aquele que domina a arte da guerra espiritual.